segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Entrelinhas - História em quadrinhos é literatura?

Projeto Folclore: Bonecos de Olinda com o 1º A

Muito feliz com os ótimos resultados e com a participação de todos. Vocês são muito importantes, especiais e brilhantes.


25/08 - Dia da defesa do curso Mídias na Educação


Participando do grupo focal

Eu, Orientadora Valéria Freire e Sonia

Um dia marcante em minha vida...
Leia mais

Projeto : Recordo ainda...


Mundo de Deborah

TECENDO LEITURAS

ABRIL/2005

Recordo
PROJETO DESENVOLVIDO POR:
Profª Deborah Adriana Tonini Martini Cesar
Bacharel em Língua Portuguesa e Italiana- USP
Licenciada em Língua Portuguesa –USP
E.E. LEONICE DE AQUINO OLIVEIRA
Embu Guaçu - SP


E.E.Leonice de Aquino Oliveira
PROJETO RECORDO
Profª Deborah Adriana Tonini Martini Cesar

INTRODUÇÃO

Esse projeto teve por elemento desencadeador o poema RECORDO AINDA do poeta Mário Quintana, que trata o tema da velhice de uma forma bem interessante, aproximando-a da idade jovem no que diz respeito aos seus anseios. A partir desse tema, montei uma antologia de poetas brasileiros que tratam o mesmo tema, sob óticas bastante semelhantes. A questão do tempo também é tratada.
Costuma-se dizer que, atualmente um indivíduo de quarenta anos já é velho, com dificuldades até para conseguir encaixar-se no mercado de trabalho.Mas segundo essa breve pesquisa feita, essa questão é o reflexo de uma convenção cultural já bastante antiga. O poema QUARENTA ANOS de Mário de Andrade marca essa idade como o início da velhice.
Além de ser um incentivo à leitura, o projeto visa promover uma reflexão sobre o que é ser um velho na sociedade brasileira. Quem pode ser considerado velho na realidade? O que um indivíduo avançado em anos (um macróbio, como dizem Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade) pode desempenhar na sociedade em que estão inseridos. Um dos textos da antologia, o único em prosa, A ARTE DE SER VELHO de Vinícius de Moraes retrata de forma interessante as diferentes visões em relação ao idoso nacional e de outros países.
Além da questão filosófica, o trabalho abrange de forma bastante diluída alguns  tópicos da teoria literária, a saber: forma, rima, figuras, estrofe, métrica e mais.

MATERIAL UTILIZADO

Como neste ano deu-se prioridade à reposição dos livros didáticos, os módulos de livros paradidáticos não foram solicitados, portanto provavelmente não o receberemos. Assim sendo, preparei uma antologia utilizando transparências para retroprojetor que permitem expor o material para diversas turmas, proporcionando maior praticidade.

TEXTOS E POEMAS QUE COMPÕEM A ANTOLOGIA

  •       Recordo Ainda de Mário Quintana
  •      O Tempo é Um Fio de Henriqueta Lisboa
  •        O Circo o Menino a Vida de Mário Quintana
  •       Retrato de Cecília Meireles
  •        Envelhecer de Mario Quintana
  •        Versos de Natal de Manuel Bandeira
  •       O Tempo de Mario Quintana
  •      Quarenta anos de Mario de Andrade
  •     O Relógio de Vinícius de Moraes
  •       A Arte de ser Velho de Vinícius de Moraes
  •        Carta de Carlos Drummond de Andrade

PÚBLICO ALVO
5ª e 6ª série do Ensino Fundamental

DESENVOLVIMENTO PASSO A PASSO
Total de aulas:10
1ª etapa: Duração 2 aulas
Poemas:
Recordo Ainda de Mário Quintana
Versos de Natal de Manuel Bandeira
O Circo O Menino A vida de Mario Quintana

A) Iniciar a aula perguntando aos alunos:
1)     O que é para eles uma pessoa velha.
2)     Se alguma vez já se imaginaram velhos.
3)     Se alguém tem medo da velhice e por quê.
4)     Se alguém gostaria de descrever oralmente uma pessoa idosa que conheça em sua aparência e atitudes.
5)     Se alguém tem amizade com uma pessoa idosa e sobre o que conversam.
B)A partir das idéias lançadas no diálogo, pode-se se lançar um mini-debate com alguém anotando os assuntos abordados. Quando o tema parecer esgotado, os alunos são surpreendidos com a declamação do poema Recordo Ainda de Mário Quintana utilizando-se um fantoche de espuma com a aparência de um velhinho.
C) O poema é colocado no retroprojetor para que todos os alunos possam ler, esclarecer alguma dúvida quanto ao vocabulário, de preferência através da inferência de significado.
D) Perguntar aos alunos se já haviam pensado num velho como uma pessoa que, na verdade, pode ter seu espírito bastante jovem.
E) Identificar a forma do soneto
F) Distinguir o padrão de rima.
G) Um aluno declama o poema Versos de Natal de Manuel Bandeira também utilizando o velhinho fantoche.
H) Expõe-se a transparência com o poema e pergunta-se aos alunos:
1)     Se há semelhanças entre os poemas, quais?
2)     Há semelhanças quanto à forma?
3)     O poema apresenta rimas?
4)     Vocês uma pessoa velha pode pensar como a criança ou como o jovem? Por quê?
5)     Apresenta-se o poema O CIRCO O MENINO A VIDA em forma de jogral e através da transparência, pedir aos alunos que verifiquem uma possível semelhança com os outros dois poemas.Perguntar-lhes o que há de comum entre :Circo, Menino e Vida. (O Circo passa pela cidade rapidamente, a infância é um período relativamente curto em relação à totalidade da vida humana e a vida é também considerada curta e fugaz) Discutir esses conceitos. Destacar a diferença das formas e explicar o que são versos livres e brancos.
I) Havendo tempo disponível, os alunos podem anotar em seus cadernos os poemas trabalhados ou um poema de sua preferência para uma futura exposição.
2ª etapa: Duração 2 aulas
poemas:
Carta Carlos Drummond de Andrade
Envelhecer Mário Quintana
Canção Cecília Meireles
1-   Pedir que um aluno leia o poema  Carta Carlos Drummond de Andrade.
2-   Perguntar aos alunos para quem acham que essa carta é endereçada?
3-   O eu lírico contrasta dois momentos diversos de sua vida. Quais são? Ele também contrasta dois tipos de toques diferentes que sua pele recebeu. Quais são? O que pode ser o relevo mencionado na primeira estrofe, no terceiro verso?Induzir os alunos, se necessário, à percepção de que as rugas seriam marcas de uma vida permeada por sofrimentos.
4-   A qual palavra da primeira estrofe está ligado o segundo verso da segunda estrofe? “(...) são golpes, são espinhos; são lembranças(...)”. Pedir aos alunos que a escrevam seqüencialmente, a saber Estes sinais são golpes, são espinhos; são lembranças (da vida).
5-   Explicar aos alunos que o soneto é uma forma poética bastante antiga. Grande parte da antologia é composta por sonetos. O que essa freqüência pode representar. (Utilização de uma forma antiga para representar a velhice)
6-   Envelhecer pode ser doloroso? Quando? Ler o poema Envelhecer de Mario Quintana.(pode ser utilizado o fantoche de espuma do velhinho)
7-   Perguntar aos alunos o que pode significar fazer chá para os fantasmas. Leva-los ao entendimento de que a única companhia do velho era a dos fantasmas. Era um velho solitário.
8-   Por que o poema tem um só quarteto? As poucas palavras podem representar as parcas conversas de um solitário?
9-   E os caminhos que iam e agora só vêm? O que isso pode representar? Tentar levar-lhes à idéia de que uma pessoa jovem pode se locomover facilmente indo em busca do suprimento de suas necessidades e até de companhia. Um velho, já com problemas para andar, fica na dependência de que alguém o visite. Os caminhos só servem para os que vêm.Os poucos livros podem ser representativos de uma memória já prejudicada (poucos livros, poucos registros).
10-                      Perguntar aos alunos se costumam fazer visitas às pessoas mais velhas de sua família. Dão a eles a atenção que precisam? É possível se aprender com as pessoas velhas?Que conversas podem ser agradáveis? Que assuntos podem ser de interesse comum às pessoas de diferentes idades?
11-                      Já viram reportagens sobre asilos? O que lhes pareceu? Já visitaram uma instituição para idosos? (o professor pode organizar uma visita a um asilo, na qual os adolescentes poderão contribuir com sua alegria e até mesmo com agasalhos e alimentos)
PARA CASA: Os alunos deverão entrevistar uma pessoa de 40 anos, perguntando-lhe sobre seu modo de ver a vida, projetos para o futuro, medos, se essa pessoa se sente velha e como ela encara as pessoas bastante idosas, o que essas pessoas podem e devem fazer e outras perguntas feitas a critério dos alunos.Devem trazer fotos de pessoas de 40 anos que achem bonitas, de preferência artistas.
3ª etapa: Duração 2 aulas
Poema:
Quarenta Anos – de Mário de Andrade
Prosa:
A Arte de ser Velho- Carlos Drummond de Andrade
1-   Um aluno entra na sala e declama a poesia Quarenta Anos de Mário de Andrade, sem , porém expor-lhe o título.
2-   Em seguida, apresentar a transparência  com o poema omitindo o título, lendo o poema,
3-   Perguntar aos alunos quantos anos eles acham que tem o eu-lírico do poema.
4-   Depois de haverem feito suas tentativas, mostrar-lhes o título do poema e perguntar-lhes se as idéias das pessoas de quarenta anos entrevistadas se assemelha à  visão apresentada no poema.
5-   Perguntar-lhes o motivo provável do eu-lírico pensar como fosse um velho. Abordar a questão da longevidade no início do século XX e agora.
6-   Mostrar fotos de artistas que têm 40 anos ou mais: Xuxa, Vera Fischer, Tom Cruise e outros  e perguntar aos alunos se eles acham que essas pessoas pensam da mesma forma que a pessoa do poema.
7-   Estudar a forma  e o padrão de rimas
8-   Introduzir noções de métrica
9-   Em seguida, fazer uma leitura conjunta do texto A Arte de Ser Velho de Vinícius de Moraes usando a transparência no retroprojetor e perguntar-lhes se essa visão de velho recatado condiz com as expectativas expostas pelos entrevistados em relação à velhice.
10-                      O texto é preconceituoso?
11-                      Por que acham que a visão em relação ao idoso no exterior pode ser diferente da nossa e o que pode acarretar aos nossos velhos a nossa forma de pensar em relação a eles. Discutir o conceito de inutilidade, da falta de emprego para as pessoas mais velhas e outros problemas que cercam nossos velhos. Peça para alguém contar uma injustiça feita a uma pessoa idosa que tenha presenciado. Exemplos: As lotações não param para os velhos que apresentam a carteira para isenção de pagamento no transporte.
12-                      Havendo tempo disponível, os alunos podem anotar o poema Quarenta Anos.
13-                      PARA CASA: Trazer pedaços de rendas, tecidos, fotos desses materiais.

4ª etapa: Duração 2 aulas
O tempo é um fio- Henriqueta Lisboa
O Tempo – Mário Quintana
1-   Ler utilizando as transparências  os dois poemas e observar que no início de ambos há uma metáfora. Introduzir ou relembrar o conceito.
2-   Colocar a transparência do poema O Tempo de Mário Quintana e pedir aos alunos que identifiquem ao que o tempo é comparado.
3-   Aproveitar a oportunidade para diferenciar a METÁFORA da COMPARAÇÃO.
4-   Introduzir ou relembrar a PROSOPOPÉIA ou PERSONIFICAÇÃO.
5-   O tempo existe de verdade ou só é uma convenção humana? Tempo e horas são a mesma coisa? Como podemos nos tornar escravos do tempo?È prejudicial manter horários muito rígidos? Por quê ?
6-   Por que somente os poetas, os amantes e os bêbados podem, por instantes, escapar do Velho ranzinza?E as crianças que brincam, se importam com o tempo? Por quê?
7-    Colocar a transparência do poema O tempo é um fio de Henriqueta Lisboa e pedir aos alunos que identifiquem ao que o tempo é comparado.
8-   Perguntar se no primeiro verso há uma metáfora ou uma comparação.
9-   Contrastar a forma grotesca do Velho ranzinza a quem o tempo é comparado com a suavidade e delicadeza do fio.É possível imaginar no segundo poema uma pessoa tecendo? Talvez uma velha fazendo tricô?
10-                      Reler a primeira e a quinta estrofe e perguntar aos alunos de que forma o fio do tempo pode escapar? Como e quando perdemos tempo?Descansar é perder tempo?
11-                      Pedir aos alunos que encontrem no poema uma comparação.
12-                       Introduzir o conceito de GRADAÇÃO que há no poema: fio, rendas, franças, malhas e redes. Cada vez mais o fio vai tomando corpo.
13-                      Em que momento o “tecido do tempo” é útil? E quando se torna inútil? O que pode representar essa inutilização do tecido (farrapo jogado à toa)?
14-                       O que pode querer dizer o verso “Mas ainda é tempo!”?
15-                      A delicadeza do poema se rompe justamente nessa frase exclamativa “Mas ainda é tempo!”. Por quê?
16-                       A última estrofe imprime uma vasta e farta movimentação. O que isso pode representar? È possível recuperar o tempo perdido? De que forma?
17-                      Elaborar cartazes nos quais os poemas são copiados, enfeitados e expostos.
14-                      PARA CASA: Trazer de casa recortes de fotos de pessoas jovens e velhas e um espelho pequeno.
5ª etapa: Duração 2 aulas
Retrato- Cecília Meireles
O Relógio- Vinícius de Moraes
1- Iniciar a aula pedindo aos alunos que observem seus rostos atentamente nos espelhos que trouxeram de casa. Diga-lhes que observem o formato do rosto (redondo, oval,quadrado, fino); observem os olhos :São grandes? Pequenos? Amendoados? Escuros? Claros? O que eles expressam? Observem agora os lábios: São finos? Grossos? O que expressam? Pedir aos alunos que desenhem seu rosto em papel sulfite usando apenas metade da folha.
2- Ler para os alunos o poema O Relógio de Vinícius de Moraes, marcando bem o ritmo de relógio que o poema oferece. Em seguida perguntar aos alunos o que esse poema tem a ver com um relógio. Aproveitar a oportunidade para mencionar o recurso da onomatopéia. Perguntar aos alunos qual foi a impressão que tiveram na leitura do poema em relação ao passar do tempo. O tempo passa rápido? Devagar? Ele pára em algum momento de transcorrer? O tempo voa? Quando o tempo parece transcorrer mais depressa e quando o tempo parece demorar passar?
3- Após essa reflexão sobre o tempo, uma aluna deverá entrar vestida e maquiada como uma pessoa muito velha, olhando-se num espelho e declamando o poema Retrato de Cecília Meireles de uma forma bem teatral.
4- Questionar os alunos o porquê da mulher ter se surpreendido ao ver sua imagem  no espelho? Será que ela não se olhava no espelho há muito tempo? Ou será que foi um momento de reflexão em que ela comparou sua imagem atual àquela de jovem que tinha em lembrança? Vocês têm medo de envelhecer? Por quê?  Como vocês acham que ficaria seu rosto quando se tornarem muito velhos? Pedir para que desenhem o rosto imaginado ao lado do rosto atual. É possível ser feliz mesmo sendo bem velho?Por quê? Você faria uma plástica ?O que uma pessoa idosa precisa ter ou fazer para ser feliz? Você tem alguém na família que seja velho? Você o ajuda a ser feliz? De que maneira?
5- Enquanto alguns alunos fazem um cartaz com o poema Retrato de Cecília Meireles utilizando as figuras de pessoas jovens e velhas que trouxeram. Outro grupo monta um painel colando os desenhos que fizeram de seus rostos, dando a esse painel um título criativo. Um terceiro grupo faz uma paródia do poema Retrato de Cecília Meireles mostrando uma idosa menos melancólica, que possa ter feito uso dos recursos que a plástica oferece e que tenha uma vida ativa e que aprecie viver a fase que esta vivendo.
6- Expor o cartaz ,o painel e o poema  produzidos.
Esse projeto para 10 aulas pode ser desenvolvido seqüencialmente, utilizando aulas dobradas ou mesmo em aulas separadas. É importante retomar os poemas em comparação em cada etapa para que haja uma ligação temática. O projeto pode ser utilizado em parte. É importante que no final seja possível ter desenvolvido, além dos conceitos teóricos de análise literária, a concepção de que a velhice pode ter suas desvantagens, mas que uma mudança de comportamento social, familiar e pessoal, podem fazer da velhice uma fase da vida prazerosa, cercada pelo amor dos familiares e mais plena pelo exercício de tarefas de utilidade, não só para o indivíduo, mas desempenhando sua cidadania. É importante também ressaltar que os poetas que compuseram esses poemas, em sua maioria, os escreveram em sua velhice e tinham, portanto, atividade mental intensa, produzindo bens culturais de grande valor para a sociedade.

Segue antologia.
Profª Deborah Adrian Tonini Martini Cesar

  

RECORDO AINDA

Mario Quintana

Para Dyonelio Machado




Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas da noite morta!
 eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada após segui... Mas, ai,
Embora idade senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... Acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente! ...



QUINTANA, M. In: Nariz de Vidro. São Paulo:Moderna,1984 p.35





O CIRCO O MENINO A VIDA
Mario Quintana

A moça do arame
Equilibrando a sombrinha
Era de uma beleza instantânea e fulgurante!
A moça do arame ia deslizando e despindo-se.
Lentamente.
Só para judiar.
E eu com os olhos cada vez mais arregalados
Até parecerem dois pires:
Meu tio dizia:
 “bobo!”
Não sabes
Que elas sempre trazem uma roupa de malha por baixo?
(Naqueles voluptuosos tempos não havia nem maiôs nem biquínis...)
Sim! Mas toda a deliciante angústia dos meus olhos virgens
Segredava-me
Sempre:
“Quem sabe?”

Eu tinha oito anos e sabia esperar.

Agora não sei esperar mais nada
Desta nem da outra vida.
No entanto
O menino
(que não sei como insiste em não morrer em mim)
ainda e sempre
apesar de tudo
apesar de todas as desesperanças,
o menino
às vezes segreda-me baixinho
“Titio, que sabe?...”

Ah, meu Deus, essas crianças!

QUINTANA, M. In: Nariz de Vidro. São Paulo:Moderna,1984 p.7

 


 

RETRATO

Cecília Meireles





Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio tão amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
_Em que espelho ficou perdida minha face?


MEIRELES, C. Viagem In: Antologia Poética São Paulo:N. Fronteira;2004 PNLD p.18




CANÇÃO

Cecília Meireles



Eras um rosto
na noite larga
de altas insônias
iluminada.

Serás um dia
vago retrato
de quem se diga:
“o antepassado”.

Eras um poema
cujas palavras
cresciam dentre
mistério e lágrimas.

Serás silêncio,
tempo sem rastro,
de esquecimentos
atravessado.

Disso é que sofre
a amargurada
flor da memória
que ao vento fala.


MEIRELES, C. Retrato Natural In: Antologia Poética São Paulo:N. Fronteira;2004 PNLD p.113


A arte de ser velho
Vinícius de Moraes


É curioso como, com o avançar dos anos e o aproximar da morte, vão os homens fechando portas atrás de si, numa espécie de pudor que o vejam enfrentar a velhice que se aproxima. Pelo menos entre nós, latinos da América e, sobretudo do Brasil. E talvez seja melhor assim; pois se esse sentimento nos subtrai em vida, no sentido de seu aproveitamento no tempo, evita-nos incorrer em desfrutes de que não está isenta, por exemplo, a ancianidade entre alguns povos europeus e de alhures.
Não estou querendo dizer com isso que todos os nossos velhinhos sejam nenhuma flor que se cheire. Temo-los tão pilantras como não importa onde, e com a agravante de praticarem seus malfeitos com menos ingenuidade. Mas, como coletividade, não há dúvida de que os velhinhos brasileiros têm mais compostura que a maioria da velhorra internacional (tirante,é claro, a China), embora entreguem mais depressa a rapadura.
Talvez nem seja compostura; talvez seja esse pudor eu falávamos acima, de se mostrarem em sua decadência, misturado ao muito freqüente sentimento de não terem aproveitado os verdes anos como deveriam. Seja como for, aqui no Brasil os velhos se retraem daqueles seus semelhantes que como se poderia dizer, têm a faca e o queijo nas mãos. Em lugares públicos não têm sido poucas as vezes em que já surpreendi olhares de velhos para moços que se poderiam traduzir mais ou menos assim: “Desgraçado! Aproveita enquanto é tempo, porque não demora muito e vais ficar assim como eu, um velho, e nenhuma dessas boas olhará mais sequer para o teu lado...”
Isso aqui no Brasil, é fácil sentir nas boates, com exceção de São Paulo, onde alguns cocorocas ainda arriscam seu pezinho na pista, de cara cheia e sem ligar ao enfarte. No Rio é bem menos comum, e no geral, em mesa de velho não senta broto, pois, conforme reza a máxima popular, quem gosta de velho é reumatismo. O que me parece, de certo modo, cruel. Mas, o que se vai fazer? Assim é a mocidade- ínscia, cruel e gulosa em seus apetites. Como aliás, muito bem diz também a sabedoria do povo: homem velho e mulher nova, ou chifre ou cova.
Na Europa, felizmente para a classe, a cantiga soa diferente. Aliás, nos Estados Unidos dá-se de certa forma o mesmo. É verdade que no caso dos Estados Unidos a felicidade dos velhos é conseguida um pouco à base da vigarista; mas na Europa não. Na Europa vêem-se meninas lindas nas boates dançando cheek-to-cheek com verdadeiros macróbios, e de olhinho fechado e tudo. Enquanto que nos Estados Unidos eu creio que seja mais...cheek-to-cheek. Lembro-me que em Paris, no Club St. Florentin, onde eu ia bastante, havia na pista um velhinho sempre com meninas diferentes. O “matusa” enfrentava qualquer parada, do rock ao chá-chá-chá e dançava o fino,, com todos os extravagantes passinhos que os gauleses enfeitam as danças do Caribe, sem falar no nosso samba. Um dia, um rapazinho folgado veio convidar a menina do velhinho para dançar e sabem o que ela disse:_isso mesmo que vocÊs estão pensando e mais toda essa coisa. E enquanto isso, o velhinho, de pé, o peito inchado, pronto para sair na física.
Eu achei a cena uma graça só,mas não sei se teria sentido o mesmo aqui no Brasil, se ela tivesse passado no Sacha’s com algum parente meu. Porque, no fundo, nós queremos os nossos velhinhos em casa, em sua cadeira de balanço, lendo Michel Zevaco ou pensando na morte próxima, como fazia meu avô. Velhinho saliente é muito bom, muito bom, mas de avô dos outros. Nosso, não.

MORAES, V. DE. A Arte de Ser Velho In: Para Viver um Grande Amor- Crônicas e Poemas. São Paulo: Cia das Letras- projeto escola jovem p.65-66.
  
O TEMPO
Mario Quintana


O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como um velho paralítico a [tocar a campainha atroz.
Nós
É que vamos empurrando, dia-a-dia, sua cadeira de rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho...Mas que raiva impotente dá no Velho
quando encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas sua cadeira de rodas!

Porque elas, simplesmente, o ignoram...

QUINTANA, M. Antologia Poética. Rio de janeiro: Ediouro, 1997.5ed. p83
 
 
ENVELHECER
Mario Quintana

Antes, todos os caminhos iam
Agora todos os caminhos vêm
A casa é acolhedora, os livros poucos.
Eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.



QUINTANA, M. Antologia Poética. Rio de janeiro: Ediouro, 1997.5ed. p34




VERSOS DE NATAL
Manuel Bandeira

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

1939


BANDEIRA, M. Lira dos Cinqüent’anos In: Estrela da Vida Inteira. Rio de
       Janeiro: Nova Fronteira,1993 27 ed. P171

 
O RELÓGIO
Vinícius de Moraes

Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora

Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite

Noite e dia

Tic-tac

Tic-tac

Tic-tac...

MORAES, V de. A Arca de Noé. São Paulo: Círculo do Livro. P41



O TEMPO É UM FIO
Henriqueta Lisboa
O tempo é um fio
Bastante frágil.
Um fio fino
Que à toa escapa.

O tempo é um fio.
Tecei!Tecei!
Rendas de bilro
Com gentileza.
Com mais empenho
Franças espessas.
Malhas e redes
Com mais astúcia.

O tempo é um fio
Que vale muito.

Franças espessas
Carregam frutos.
Malhas e redes
Apanham peixes.

O tempo é um fio
Por entre os dedos.
Escapa o fio, perdeu-se o tempo.

Lá vai o tempo
Como um farrapo
Jogado à toa!

Mas ainda é tempo!

Soltai os potros
aos quatro ventos,
mandai os servos
de um pólo a outro,
vencei escarpas,
dormi nas moitas,
voltai com o tempo
que já se foi!!...

LISBOA, H , In: Para Gostar de Ler, v. 6- São Paulo:Ática. P.50



QUARENTA ANOS
Mario de Andrade

A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais si gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar...Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
que eu adorei. Foi meu pecado...Horrendo.

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fermentida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono,vem!...Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano que amei a vida.


ANDRADE, M. Grão Cão de Outubro. In: Poesias Completas.Belo Horizonte: Villa Rica,1993 p.318


CARTA
Carlos Drummond de Andrade

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha em relevo,
Estes sinais em mim não das carícias

(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos;são lembranças
da vida, a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.

A falta que me faze não é tanto
À hora de dormir quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.

É quando, ao despertar, revejo a um canto
A noite acumulada de meus dias,
E sinto que estou vivo, e que não sonho.

ANDRADE, C.D. Literatura comentada.São Paulo: Abril Educação,1980 p. 99